Desde o momento em que os filósofos Heráclito, Pitágoras e Xenófanes começaram a se posicionar contra os princípios da fé religiosa, começou a haver um rompimento entre fé e razão. Assim começa um grande desafio da humanidade, dos pensadores e teólogos: associar fé e razão.
No século XIX, Augusto Comte investe no que ele chamou de a Religião da Humanidade, sendo que foi criada a partir de sua busca por uma espiritualidade plenamente humana, adaptada a uma época em que o ser humano pudesse viver esclarecido pela ciência, com uma atividade prática totalmente pacífica e baseada no altruísmo.
O seu Positivismo, assim, classificava a Religião da Humanidade como monística e naturalista. Nela não havia espaço para o sobrenatural, pois todos os fenômenos têm origem e causa na natureza.
Naquele mesmo período, talvez até motivado por esse viés de Comte, Allan Kardec também se lança a fazer uma ponte entre religião e ciência, fé e razão, oferecendo ao mundo a codificação da doutrina espírita. A bem da verdade, no entanto, até mesmo essa religião que se propõe a ser racional, quando avaliamos conceitos, atitudes, gestos de cidadania de muitos dos seus líderes e divulgadores vemos que, na prática, a razão é que menos conta, ficando à frente os velhos e entravados ranços de seus profitentes, em geral. Prevalecem, sem sombra de dúvidas, os velhos conteúdos dogmáticos, sectários das religiões ortodoxas de sempre.
Assim, infelizmente, vemos os “pensadores” das religiões forçando uma situação de teocracia, há muito desaparecida, ou seja, a união do Estado com a religião, na preponderância de princípios religiosos, que deveriam ser de domínio dos seus crentes e seguidores, impostos a toda uma nação.
Percebemos, no entanto, que uma reação a essa dominação aqui e ali surge, em uma espécie de sublevação da cidadania sobre a fé, a religião. Que bom! Foi assim que, depois de 14 horas de discussão, o Senado da Argentina aprovou, na madrugada do último dia 15, a lei que autoriza o matrimônio entre pessoas do mesmo sexo no país, transformando o país no primeiro da América Latina a permitir esse casamento. Dessa forma, a Argentina é o décimo país no mundo a autorizar casamento entre pessoas do mesmo sexo, depois de Holanda, Bélgica, Espanha, Canadá, África do Sul, Noruega, Suécia, Portugal e Islândia. Parabéns, portanto, aos nossos “hermanos” que bravamente souberam superar as pressões de organizações religiosas contra a cidadania.
Lamento ainda, profundamente, que nas hostes espíritas se guarde muito um tal de “não vai pegar bem” diante de temas que são do interesse imediato da cidadania dos povos, ficando uma espécie de nem a favor, nem contra, muito pelo contrário, que não esclarece coisa alguma, mas gera, sim, confusão.
Penso que religião alguma deve ter em suas mãos o direito de legislar sobre os destinos dos cidadãos de qualquer país. Não haverá de se determinar princípios sob o tacão mesquinho dos discursos estreitos de quem aprendeu a “crer” sem refletir, sem racionalizar. A cada um, a liberdade de seguir, sem as imposições dos tutores da fé e da moral, os seus caminhos, na busca do sensato, do lógico e racional.
José Medrado
Mestre em Família pela UCSAL
Fundador da Cidade da Luz